Carta para a vizinha de cima a reclamar pelo barulho do sexo
Cara vizinha,
Primeiramente, gostaria de a felicitar pelo seu novo namorado.
Pelo som que sobrevêm do seu apartamento, e que se propaga pelos espaços amplos do edifício, calculo que «love is in the air» e fico muito contente por si.
Acontece que esses mesmos sons, como é habitual desde sempre, acontecem geralmente a partir da meia-noite e aumentam de intensidade sincronizada por volta das 3 ou 4 da madrugada.
Compreendo que seja solteira e queira aproveitar a vida da melhor forma, mas como deve entender a vizinhança por vezes quer descansar, pois o dia seguinte é um dia de”labuta”.
Não posso esquecer aquele seu antigo namorado, e que poucas vezes o vi sem ser na penumbra enganadora das escadas… mas, para uma pessoa requintada e com tendências românticas como a vizinha, um homem que responde a tudo com «Iá fofa», «Tásse bem», «Brutal» e outras expressões do mesmo género (pontuadas por subtis arrotos de cerveja) não era propriamente o protótipo do príncipe encantado que a sua alma feminina, impoluta e sensível tanto desejava...
Paralelamente, enquanto trabalhava as suas profundezas íntimas com o respectivo instrumento, ele expelia constantemente uns «Uhs» tão intensos, cacofónicos e possantes que mais parecia uma manifestação de pujança equídea em época de cobrição do que... enfim... uma demonstração de puro prazer lúbrico e deleite sensual derivados da sua adorável companhia que, entretanto, o ia acompanhando com «Ahs» tão agudos que teriam feito a Callas corar de inveja se a ouvisse. Já alguma vez pensou numa carreira lírica como soprano? Sempre poderia ensaiar durante os prazeres do coito…
Para além de tudo isto, essa relação foi bastante dispendiosa para a sua algibeira, uma vez que as molas centrais do seu colchão ficaram uma lástima… foi fácil de perceber isto porque fui notando que a distância entre os vossos arquejos e o meu tecto (isto é o seu chão) iam ganhando uma maior proximidade... sobretudo após o desmoronamento do estrado da sua cama, o qual aconteceu após o desfalecimento das respectivas pernas do lado da cabeceira, que não se aguentaram com tanto entusiasmo.
Ainda me recordo do dia em que tudo acabou entre vós com uma discussão ciclópica e ambos lamentavelmente perderam a oportunidade de publicar uma obra conjunta, do género: Dicionário de Português vernáculo ou Gramática portuguesa da linguagem singela ou ainda Novas perspectivas da linguagem coloquial em situações de crise. Independentemente do título, esta teria sido uma enorme e inestimável contribuição para o enriquecimento da nossa língua e garanto-lhe que teria um enorme sucesso nos meios académicos.
Por fim, e recordo com saudade o longo período de austeridade parcial, durante o qual quase nem necessitei de colocar tampões de silicone nos ouvidos para dormir.
Havia noites tão silenciosas que, por vezes, acordava perguntando-me se a vizinha finalmente estaria completamente morta, sufocada pelas velas aromáticas e paus de incenso com cheiros funerários, que entretanto passou a comprar, em doses suficientes para fazer uma limpeza cármica num raio de 30 km de distância.
Mas essa fase, todavia, nem sempre foi de abstinência total. A carne é fraca e a sua parece ter uma particular tendência para atrair todo o tipo de ufanias amorosas que a imaginação humana pode conceber.
Lembro-me do cozinheiro de culinária indiana e do cheiro a açafrão que vinha da sua casa cada vez que ele lhe preparava uma refeição… e do número sempre crescente de lençóis lavados no seu varal no dia a seguir...
Pelas actividades desenvolvidas entre ambos durante a noite eu (no meu silencioso e virginal recato) deduzia que a sobremesa era consumida «au-dessus de la peau». Para ser mais específica, eu imaginava-os aos dois nus, com as zonas erógenas pinceladas com melaço e adornadas com pedacinhos de Gulab cortados em meia lua… daí a profusão de lençóis e a água do chuveiro a correr demoradamente a horas tardias...
Por vezes, a essas sessões gastronómicas, juntava-se uma terceira (possivelmente também uma quarta) figura que eu nunca cheguei a perceber se eram homens ou mulheres. Na verdade, no meio de todos, quem mais se destacava era a vizinha que, nas alturas de máximo paroxismo derivado da manipulação lingual dos seus congéneres, soltava gemidos roucos semelhantes às fêmeas bovídeas quando se lhes extrai o leite.
E claro, não posso esquecer aquele nortenho com quem a vizinha costumava brincar as escondidas. Dados os vossos estertores e o número de molas do seu segundo colchão que ficaram partidas depois de noites e noites de encarniçamento.
Foi por ocasião do desbragamento total e incontrolável de uma das vossas brincadeiras que alguém (não me passa pelo pensamento quem teve semelhante ideia) chamou a polícia…
Tudo começou com uns arrulhos inocentes e gargalhadinhas intermináveis… o habitual…
Após uns momentos em que ambos pareciam compor a cena ouvia-se ele dizer:
- Donde está a minha obelinha deprabada?
- Méééé – respondia a vizinha do outro lado da casa, supondo eu que estavam às escuras para dar mais picante ao jogo do esconde esconde.
- Donde está a minha obelinha deprabada? – repetia ele, após ter esbarrado com vários móveis.
- Méééé – voltava a responder a vizinha, desta vez mais alto – estou aqui, meu pastor das terras de Bouro…
A vizinha e ele mantiveram este diálogo afrodisíaco durante uma série de tempo até que, finalmente, a ovelha e o pastor se encontraram e foi uma tal efusão beijos, rodopiar de móveis e palavrões ditos à moda nortenha (os quais o meu pudor e comedimento impedem de repetir neste local) que parecia que um rebanho inteiro em tropel tinha invadido as suas três assoalhadas ou que a profecia de 2012 começava a concretizar-se a partir desse local.
A polícia chegou enquanto a brincadeira permanecia no seu auge e os agentes, antes que alguém finalmente viesse abrir a porta, ainda tiveram a oportunidade de escutar, de olhos arregalados, os arrulhos de prazer gerados por tão original interacção da vossa parte.
Foi um momento verdadeiramente emocionante quando a vizinha foi abrir a porta aos agentes vestida apenas com um colete e umas botinhas em carneira, com o seu «pastor» de tanga e bordão atrás de si, ambos corados e de olhos esgazeados, como se tivessem acabado de acordar...
Eu teria ainda muito mais para partilhar, mas não a quero maçar mais.
Como vê, temos sido uns vizinhos massacrados pelas suas voluptuosas luxúrias extravagantes, que nos deliciam os ouvidos e nos despertam ( ou não !..) as vontades loucas de termos umas noites de amor com as nossas parceiras e adoradas esposas ,sem ficarmos com a sensação de termos mais alguém na cama a sussurrar-nos ao ouvido palavras e sons que de certa forma nos desassossegam.
Espero não ter sido muito indiscreto e que se tenha divertido com esta gloriosa partilha, mas peço mais uma vez , que modere as suas longas noites de prazer bem como a forma como as vive, pois não estou com muita vontade de ter que requisitar um estucador que me componha o teto do meu quarto depois deste me cair em cima .
Com os melhores cumprimentos e votos de felicidade
«O Visinho» do andar de baixo.